Direitos e deveres nas relações condominiais
Entrevista com advogados Lino Eduardo Araújo e Sérgio Emílio Jafet
Publicada pela Revista AASP, nº 2994 entre 06 a 12 de junho de 2016.
A vida social contemporânea exige relativa tolerância das pessoas, sujeitando-as a suportar uma das outras determinada reciprocidade de incômodos. É de conhecimento geral daquelas que convivem em condomínio que, no seu dia a dia, estão sempre sujeitas a uma série de constrangimentos, frustrações, contratempos, etc., todos eles indesejados, mas perfeitamente suportáveis.
Entretanto, quando aborrecimentos e transtornos excedem o limite, a parte prejudicada tem o direito de fazer valer o consagrado princípio de que “o direito de um vai até onde começa o do outro”.
Para esta edição do Boletim, os especialistas em assuntos condominiais Lino Eduardo Araújo Pinto e Sérgio Emílio Jafet revelam com detalhes o momento correto para acionar o advogado em uma relação de conflito, os principais desafios destes profissionais, o conceito dos cinco “Cs”, a prestação de contas ao síndico, procedimentos para registro interno, entre outros assuntos de interesse e de todos que fazem parte dessa relação.
Considerando-se que é praticamente inevitável a ocorrência de conflitos entre as pessoas que residem em condomínios, a nossa legislação proclama no art. 1.277 do Código Civil que o proprietário ou inquilino tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que habitam o edifício, o que acaba causando quase sempre discussões acaloradas.
A restrição ao direito de propriedade e também ao exercício de qualquer atividade não resulta somente da utilidade pública, mas se impõe também como respeito aos direitos individuais. A vida na coletividade social do prédio é disciplinada por essas normas reguladoras de justo equilíbrio entre os direitos e deveres dos condôminos.
Porém, segundo os especialistas, existem momentos em que se faz necessária a intervenção de um advogado para dirimir o eventual litígio dos moradores entre si e/ou com o síndico, a fim de que sejam acalmados os ânimos mais exaltados. É justamente nestas ocasiões que o referido profissional do Direito também se mostra imprescindível, pois muitas vezes com a sua firme atuação consegue obter uma solução amigável que venha a atender todos os objetivos visados pelas partes envolvidas, sem que seja preciso valer-se do Poder Judiciário para essa finalidade.
Também de fundamental importância para a mediação entre as partes, evitando o litígio desnecessário, o síndico é uma figura importantíssima para nortear essa relação (art. 1.348 do Código Civil). O advogado Lino Araújo lembra que, não sendo eleito síndico, por ausência de candidatos, deverá ser nomeado um gestor em comum acordo. “Se tal situação ocorrer, poderá ser nomeado um representante da administradora ou, em sua falta, um síndico profissional, pela maioria dos condôminos presentes (art. 1.347 do Código Civil)”, explica Araújo.
O síndico ou representante escolhido deve se ater ao regimento interno do condomínio, que deverá ser integrado à convenção condominial, que por sua vez será registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente; podendo um morador pedir a qualquer momento a prestação de contas ao eleito. É o que diz Lino Araújo: “O síndico é obrigado a prestar contas à assembleia de condôminos uma vez ao ano (se não constar na convenção uma periodicidade menor), e sempre que exigido extraordinariamente pelos condôminos, contanto que não se refira a um mesmo período já aprovado em assembleia”, afirma.
Os advogados militantes na área de resolução de conflitos de condomínios nem sempre têm suas vidas facilitadas. Sob o aspecto meramente comportamental, os especialistas expõem dois fatores: o primeiro é a falta de experiência ou de conhecimento das pessoas que exercem e/ou se candidatam à função de síndico pela primeira vez; e o segundo são os problemas envolvendo os denominados cinco “Cs” (condôminos, carros, cachorros, crianças e calotes), que Lino Araújo descreve com conhecimento de causa.
Dentre os problemas que causam enorme polêmica perante a massa condominial, Araújo destaca os advindos do comportamento do “condômino antissocial”. Ele é assim denominado porque reiteradamente gera incompatibilidade de convivência com os demais condôminos.
“Para a identificação desse comportamento torna-se necessária a ocorrência de reiteração das condutas reprováveis, não importando para quantas pessoas essas condutas são dirigidas. Desse modo, uma única conduta endereçada a um grupo de pessoas não se mostra suficiente para que o condômino seja considerado como antissocial”, explica.
Segundo o advogado, a sanção legalmente admitida para tal conduta é apenas e tão somente a aplicação de multa pecuniária correspondente a até dez vezes o valor da cota condominial (art. 1.337, parágrafo único, do Código Civil), pois, além da falta de previsão legal, a exclusão do condômino antissocial encontra óbice no direito de propriedade garantido pelo art. 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal.
Outra questão sempre polêmica é a que diz respeito ao furto de carro e de acessórios; além de danos causados ao veículo estacionado na garagem do edifício.
“Este é um tema muito recorrente no cotidiano forense, porquanto repercute inevitavelmente não apenas contra o condômino proprietário do bem furtado/avariado, mas também contra o condomínio, vez que a sua eventual responsabilização pelos eventos danosos ocorridos no interior daquela referida dependência atinge o próprio patrimônio de todos os demais condôminos, que, em caso de procedência da ação indenizatória movida pela vítima prejudicada, serão compelidos a cotizar-se para cobrir o montante da condenação”, diz o profissional.
Atualmente se mostra cada vez mais frequente depararmos com condomínios onde o total de cachorros e outros animais de estimação que se encontram nas unidades autônomas de apartamento é proporcionalmente superior ao número de pessoas que os habitam.
“Apesar da grande maioria dos condôminos não se importar com a presença de cães e outros animais no condomínio, o exercício do direito de propriedade sofre limitações condicionadas pelo interesse particular dos condôminos, cujas normas de comportamento são regidas tanto pela convenção condominial quanto pelo regimento interno. Assim sendo, desde que o condômino mantenha em sua unidade residencial “pets” considerados de pequeno porte e que não provoquem qualquer incômodo ou insegurança aos vizinhos, nada impede que possa tê-los em sua convivência”, afirma.
Araújo deixa claro que, por outro lado, a permanência deles no local não deve ser admitida na hipótese de os seus donos serem relapsos e descuidados no trato com seus animais, permitindo que produzam incômodos com o excesso de latidos ou uivos incessantes; deixando conscientemente que raças caninas consideradas de grande porte ou de natureza feroz circulem pelo edifício sem focinheira e coleira com guia curta, constituindo ameaça à integridade física dos moradores; e, ainda, tampouco tomando os cuidados necessários com a higiene íntima dos seus “mascotes”, pouco se importando com os odores desagradáveis que advêm das suas necessidades fisiológicas feitas no interior dos elevadores ou nas áreas comuns do prédio. E tudo isso sem contar com o natural mau cheiro que exalam pela nítida falta de banho regular.
Com relação às crianças, por óbvio, são as reclamações dos moradores por causa de barulho que produzem constantes atritos no condomínio. “Justamente, por serem cheias de vida e de energia, é natural que façam barulho em suas brincadeiras e atividades no condomínio”, comenta Lino a respeito.
No entanto, o advogado resume que os ruídos excessivos produzidos em qualquer forma e horário pelas crianças devem ser proibidos, visto que perturbam ou molestam a tranquilidade dos condôminos, devendo ser evitados da melhor maneira possível.
De fato, as pessoas têm direito a tranquilidade, seja durante as horas de repouso ou para o exercício efetivo de sua atividade laboral, sendo, portanto, essencial para o proveito da saúde e bem-estar da massa condominial.
A fim de evitarem-se aborrecimentos com as algazarras normais das crianças, os pais ou responsáveis por elas devem ter sempre em mente a preocupação de procurar orientá-las a respeitarem o sossego e o descanso dos demais condôminos, para que a harmonia e o bom relacionamento sejam constantes no ambiente condominial. Caso contrário, podem sujeitar-se à aplicação de multa como forma de penalidade.
Aspecto também relevante é o que se refere à inadimplência ou “calote” por parte de condôminos que deixam propositadamente de pagar as suas despesas de condomínio para utilizar os correspondentes recursos para a quitação de outras dívidas (cartão de crédito, cheque especial, etc.), cuja respectiva multa por atraso é bem maior que a dos 2% estabelecida por lei no caso de não pagamento das despesas condominiais.
Segundo Lino Araujo, vale destacar que muitas vezes a inadimplência dos condôminos ocasiona falta de recursos financeiros ao condomínio, e para suprir esse déficit, normalmente, é realizado um rateio entre os condôminos adimplentes, que se sentem prejudicados por serem obrigados a desembolsarem valores para cobrir essa dívida a que não deram causa, gerando descontentamento e consequente conflito entre os moradores do prédio.
Sabemos o quanto pode ser difícil viver em harmonia quando falamos de várias pessoas que possuem hábitos, culturas e gostos diferentes, por isso os especialistas recomendam que somente a informação, aliada ao bom senso, trará resultados benéficos neste sentido. Para isso, Lino Eduardo Araújo Pinto e Sérgio Emílio Jafet recomendam o livro Ser síndico não é padecer no condomínio, que elaboraram em conjunto com a advogada Gabriela Rocha e que é um guia para que moradores e síndicos tenham sempre em mente seus direitos e deveres.